terça-feira, 31 de maio de 2016

Post 2 de 2: GEL / Continental – gravadora nacional, mas com força de major

"Jane Duboc", 1987, GEL / Continental. Estouro nacional.
Um case interessante que nos permite mensurar o potencial e o poder de influência da GEL / Continental na fonografia brasileira foi o lançamento massivo de Jane Duboc em 1987. A cantora, pouco conhecida até então, já possuía no currículo três LPs – distribuídos por pequenos selos no início da década de 80. Jane viu sua carreira ser alavancada de forma bombástica quando adentrou a GEL / Continental.

Wilson Souto Junior, criador do espaço cultural alternativo Lira Paulistana, passou a ser diretor artístico da GEL no início da década de 80. Conhecido pela alcunha de “Gordo”, Wilson agora trabalhava muito mais com o mass media do que com a arte alternativa, e estava disposto a investir fortemente em Jane Duboc. Deixou-a totalmente à vontade para escolher o repertório daquele seu novo álbum, que destacou compositores mineiros, mas com uma única condição: das doze faixas do álbum, ao menos duas necessitariam ter apelo radiofônico. Jane, então, recorreu ao seu amigo Cido Bianchi, que havia integrado o Jongo Trio na década de 60, e naquele momento se dedicava à publicidade. A pedido de Jane, Cido transformou um jingle que havia feito para a rede de lanchonetes Bob’s na canção “Chama da Paixão”, composta em parceria com Thomas Roth. Com imenso punch pop, a canção foi hit entre os anos de 87 e 88, assim como “Sonhos”, de Lincoln Olivetti, Robson Jorge e Mauro Motta. Com um trabalho de marketing incisivo, ambas as canções, produzidas pelos magos do pop Lincoln Olivetti e Arnaldo Saccomani, tocaram exaustivamente nas rádios e emissoras de TV de todo o Brasil. Destaque-se que os hits foram estrategicamente posicionados como faixas iniciais de cada um dos lados do disco – posições nobres de um LP.

A GEL / Continental produziu também uma tiragem de LPs promocionais de Jane Duboc em que se podia ouvir, além de seus hits, uma suposta entrevista a ser montada pelos programadores de rádio. Jane gravou respostas de perguntas genéricas, que seriam entoadas pelos radialistas. As entrevistas resultantes dessa criativa e engenhosa estratégia provavelmente foram anunciadas com exclusividade por muitas emissoras de rádio do país, o que ajudou a ventilar o nome de Jane Duboc. Tantas outras gravadoras usariam dessa mesma estratégia de divulgação, de autoria desconhecida. 

A canção “Sonhos” integrou a trilha sonora da novela “Fera Radical”, exibida pela Rede Globo em sua faixa das 18h no ano de 1988. A cantora também figurou em “Vale Tudo”, folhetim das 20h da mesma emissora, com “Besame” (Flávio Venturini / Murilo Antunes), gravada exclusivamente para a trilha da atração – exibida entre 1988 e 1989. Cabe destacar que as novelas da Rede Globo sempre foram cobiçadas pelas gravadoras por serem meios eficientes de divulgação de seus fonogramas.

Nessa época, Jane Duboc passou a figurar constantemente no programa Globo de Ouro entoando os dois hits de seu primeiro álbum pela Continental. A atração, exibida pela Rede Globo, se notabilizou por apresentar os sucessos do momento em formato de ranking. Jane foi figura frequente do programa “Cassino do Chacrinha”, também da Globo, um dos mais populares da época. Numa dessas apresentações, pode-se notar vários espectadores da plateia segurando um mesmo tipo de cartaz com foto da cantora, o que nos leva a crer que tenha sido mais uma estratégia da gravadora a fim de reforçar a figura de Jane. Programas populares, de outras emissoras, também foram escalados para divulgar a cantora, com destaque para o “Viva a Noite”, do SBT, no qual se apresentou inúmeras vezes. Por aquela época, Jane teve ainda um especial na TV Bandeirantes.

Na boca do povo: Jane Duboc interpreta "Sonhos" no "Cassino do Chacrinha".

É sabido que o “jabá” há muito dita os sucessos radiofônicos. Há quem diga que certos “incentivos financeiros” também estejam presentes nos bastidores das emissoras de TV. Não se pode afirmar que Jane Duboc, tenha sido beneficiada por alguma estratégia desse gênero, mas também não se pode descartar totalmente essa possibilidade, dada a força e a influência que a GEL possuía no cenário fonográfico e midiático da época.

Jane Duboc gravaria mais um disco pela GEL / Continental, no ano de 1989. Lançado de forma mais discreta, o álbum “Feliz” se valeu muito da repercussão de seu antecessor. Jane também entoaria a trilha de abertura da novela “Cortina de Vidro”, do SBT – 1989 / 1990. Em 1991, Jane migra para a major BMG, companhia para a qual gravou um único e pouco exitoso disco: “Além do Prazer”. Apesar do porte da nova companhia, divulgação e marketing foram ínfimos. Mesmo com faixas de forte apelo pop, nenhuma delas foi executada com algum destaque nas rádios e nos programas populares de TV. Trilhas de novelas, tanto menos.

Em 1992, a cantora lançava o álbum “Movie Melodies” pela pequena e novata gravadora Movieplay – que de forma tão pioneira quanto arriscada começou suas atividades com foco exclusivo em CDs, num mercado ainda dominado pelos LPs. Tanto o show quanto o disco “Movie Melodies” repercutiram positivamente no cenário artístico da época, mas num nicho mais elitizado.

Sem a continuidade do trabalho massivo de marketing e divulgação iniciado pela GEL / Continental, Jane perdeu muito da popularidade da qual gozou no fim dos anos 80, atraindo a partir de então um público mais seleto, através de estilos musicais tanto menos comerciais do que o pop romântico avassalador que a consagrou nacionalmente. A GEL / Continental também mudou seus rumos, passando a investir muito mais em outras ondas musicais, com destaque para o estilo sertanejo, inclusive após sua fusão ao grupo Warner em 1993 – como visto no post anterior.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Post 1 de 2: GEL / Continental – gravadora nacional, mas com força de major


Como visto no livro "O Lado B", a Casa Edison foi a companhia pioneira na produção de discos no Brasil - em fins do século XIX. Localizada no centro do Rio de Janeiro, a empresa fora idealizada e conduzida pelo tcheco Federico Figner, tendo sido sucedida pela Odeon em 1929. Naquele mesmo ano, em São Paulo, o industrial Alberto Jackson Byington Junior dava início a mais uma empreitada da Byington & Co. A companhia, já firmada no Brasil como representante de máquinas de escrever e geladeiras, passaria a investir também em música gravada.

Por sugestão do produtor norte-americano de cinema Wallace Downey, Alberto Byington assumiu a representação da Columbia Records no Brasil. Assim foi durante 14 anos, até que a Columbia norte-americana resolveu se instalar por aqui de forma autônoma. O conglomerado Byington possuía notável know-how acerca do mercado fonográfico, assim como estrutura e maquinário, por isso tinha totais condições de prosseguir com suas atividades fonográficas, mesmo desvencilhada da marca Columbia.

Disco de 78 RPM de 1941. Selo Columbia, fabricação de Byington & Co. 
Disco de 78 RPM de 1945. Selo Continental, fabricação de Byington & Co.
Com João de Barro (Braguinha) como diretor artístico, o braço fonográfico da Byington & Co. passa a se chamar Continental Discos a partir de 1943, e por muitos anos competiu em pé de igualdade com as internacionais RCA, Odeon e Columbia Broadcasting System (CBS), com cast e lançamentos expressivos. A companhia de Byington teria ainda tantos outros selos, tais como Chantecler, Caboclo, Musicolor e Phonodisc – sob a razão social Gravações Elétricas LTDA. – ou GEL.

O pesquisador Ruy Castro narra em seu livro "Chega de Saudade" [Companhia das Letras, 1990] o curioso e eficiente sistema de distribuição da Continental em meados das décadas de 50 e 60, que levava seus discos aos lugares mais inóspitos do Brasil, se valendo até de transporte animal - o conhecido "lombo de burro".

A GEL se notabilizou a partir da década de 60 por expressivos lançamentos de álbuns de música sertaneja em grande escala, com destaque para nomes como Cascatinha & Inhana, Duo Glacial, Irmãs Galvão, Tonico & Tinoco, Milionário & José Rico e tantos outros. Como visto no livro “O Lado B”, a Columbia, representada pela Byington, havia sido a primeira companhia a explorar esse filão, através do pesquisador e empreendedor Cornélio Pires. A também nacional Copacabana investiu fortemente nesse segmento, pouco valorizado pelas majors, assim como a Chantecler, adquirida pela GEL em 1972 – tornando mais forte seu conglomerado. Somente na virada dos anos 80 para os 90 as gravadoras internacionais se renderiam em peso ao estilo sertanejo, tendo como marco a saída de Chitãozinho & Xororó da Copacabana rumo à Philips, um dos selos mais nobres da Polygram – atual Universal Music.

GEL / Continental: do surgimento ao fim, profusão de identidades visuais.

Entre as décadas de 60 e 80, a fábrica da GEL não somente dava conta de suas próprias demandas, como também fabricava discos de várias outras companhias, tais como CBS e Warner Music (WEA). A Warner, por sinal, se estabeleceu no Brasil na segunda metade da década de 70 dedicando-se muito mais aos setores de A&R (artistas e repertório), promoção e vendas do que à fabricação – antecipando uma tendência que viria dominar a indústria anos depois. A GEL possuía ainda uma gráfica própria para produzir as capas e encartes de seus discos. No fim da década de 80, a companhia terceirizou suas prensagens com a americana Wheaton – no Brasil estabelecida em São Bernardo do Campo.

O conglomerado GEL foi incorporado ao grupo Warner em 1993, sem aparentar crise, já que a gravadora vinha emplacando diversos êxitos até então, sobretudo no segmento sertanejo, que tomou conta do Brasil nesse período. Destaque para Roberta Miranda e Leandro & Leonardo, que gravaram diversos discos pela GEL e Warner.

Após a fusão e com a crescente demanda do mercado por CDs, a produção de vinil – e também de cassetes, no mesmo parque fabril – da GEL foi desativada. Os últimos LPs e cassetes lançados por selos GEL / Warner, na década de 90, foram fabricados por diversas outras companhias, ao passo que toda a produção de CDs no Brasil saía basicamente de três fábricas: Microservice, Videolar e VAT. Sony Music e BMG teriam fábricas próprias de compact discs na segunda metade dos anos 90.

A GEL / Continental provavelmente foi a gravadora nacional mais longeva da história de nossa fonografia, e talvez aquela que melhor tenha retratado toda a diversidade musical brasileira entre as décadas de 40 e 90.

>> Post 2 de 2 em breve.