terça-feira, 11 de junho de 2013

Músicos elegem CD como melhor formato?


Matéria da Folha de S. Paulo intitulada "Músicos elegem CD como melhor formato", publicada no caderno Ilustrada em 09/06/13, procurou elucidar a visão de três músicos sobre a qualidade dos suportes CD, LP e MP3. O teste comparativo realizado pela publicação, muito mais empírico do que científico, deixou de considerar aspectos técnicos importantes e decisivos.

Íntegra da matéria da FSP aqui.

Supõe-se que a gravação utilizada como referência tenha sido oriunda de uma mesma masterização, considerando que o disco "Transa", de Caetano Veloso, teve recente reedição em CD e LP (Philips/Universal Music, 1972/2012). Assim, destaco peculiaridades na avaliação da audição em cada suporte, a saber:

CD ..............................................................................................

Diferenças sensíveis de qualidade podem ser percebidas entre diversas marcas e modelos de CD Players. A unidade ótica ou canhão de laser está para o CD Player como o conjunto de agulha e cápsula está para o toca-discos analógico. Destaque-se ainda as variações de tecnologia dos processadores de áudio utilizados.


MP3 ..............................................................................................

Sua qualidade varia de acordo com o bitrate utilizado na compressão. Um arquivo com taxa de bits de 320 kbps, por exemplo, soa tanto melhor do que em 128 kbps. Destaque-se ainda a qualidade do player utilizado e os níveis pré-definidos de equalização do dispositivo, fatores que influenciam diretamente no equilíbrio de graves, médios e agudos.


LP ..............................................................................................

A reedição em vinil do álbum "Transa" lançou mão da tecnologia DMM (Direct Metal Mastering), em que o corte da matriz se dá diretamente no metal, eliminando a etapa da sulcagem em acetato, o que resulta num registro de altíssima qualidade. Percebe-se, na capa do caderno Ilustrada, que o toca-discos utilizado no teste da Folha é um Technics com tração direta (direct drive). Trata-se de um aparelho "hi-fi", ideal para DJs que trabalham com “scratches” e "turntablism", por ser desprovido de correia. Sabe-se, entretanto, que os toca-discos "hi-end", “state of art”, lançam mão de correias de borracha (sistema belt drive), a fim de minimizar eventuais vibrações oriundas do motor de tração. O prato de um toca-discos “hi-end” costuma ser tanto mais pesado do que o de um “hi-fi”, para que se mantenha a fluidez da rotação.

Atentemo-nos, especialmente, ao conjunto de cápsula fonocaptora e agulha utilizado. Percebe-se, na imagem que ilustra a edição, que o toca-discos utilizado está provido de uma cápsula de “scratch”, o que certamente indica que nela está acoplada uma agulha cônica. Para audição apreciativa, as agulhas elípticas são as mais adequadas, por terem uma maior área de contato com o microssulco do LP, o que resulta em maior fidelidade de reprodução, sobretudo nos graves. As agulhas elípticas, ou bi-radiais, não são usadas por DJs, em razão do maior atrito – que danificaria os sulcos numa manobra.

É absurda a qualidade de som oriundo de uma agulha elíptica em relação a uma cônica, sobretudo na reprodução de um LP dotado de corte DMM. Igualmente assombrosa é a diferença de som percebida entre uma cápsula “hi-fi” e uma cápsula “hi-end”, inclusive de preços. A primeira está na casa das centenas de Reais; a segunda adentra a casa dos milhares.

As diferenças entre um sistema de toca-discos “hi-end” e um “hi-fi” são perceptíveis a olho nu:


Foto: ultrahighendreview.com

Foto: visionliving.com.au



O referido LP de Caetano apenas renderia máxima qualidade sonora com um equipamento de ponta, portanto.

Para todos os três suportes, considere-se ainda o sistema de pré-amplificação e amplificação – se valvulados ou digitais – e alto-falantes.

Em suma, nenhum suporte fonográfico é magnânimo. Numa comparação entre vários deles, há que se considerar inúmeros fatores técnicos, que influenciam direta e indiretamente sobre o som que se ouve.

Nota pessoal: o que se registra num suporte digital são sequências de códigos binários. O que é registrado num LP é o desenho da vibração do som – a mesma que podemos sentir ao sobrepor a mão sobre o pescoço enquanto falamos. A naturalidade com que soa o áudio oriundo de um bom sistema analógico me toca sensivelmente, assim como a uma imensa e crescente legião de audiófilos.

quarta-feira, 6 de março de 2013

O canto em Cy, por Aquiles Reis

As meninas do Cy (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, coleção Aplauso), é o livro no qual Inahiá Castro revela a biografia do Quarteto em Cy. Emocionado, agradeço a ela, que, plena de emoção e competência, trouxe à luz o percurso cinquentão das Cys.

Ao agradecê-la, estendo minha homenagem a todos os memorialistas que se dedicam a pesquisas musicais para fazerem dos que somos fãs personagens de um enredo que quase sempre parece inspirado em um romance. A eles meu aplauso.

Logo no início do livro está o perfil dos pais das quatro meninas e o legado que ensinaram e deixaram para elas. E como assim se formou o caráter que as acompanhou à juventude e à maioridade. A saída do interior da Bahia, a chegada a Salvador. A ida para o Rio de Janeiro. O encontro fundamental com Vinícius de Morais. Sucesso. Viagens. As desavenças, os recomeços... a vida.

Está tudo lá nas 246 páginas de um livro bem encadernado e repleto de belas e marcantes fotos de arquivo. (Comentada por Igor Garcia, há também a discografia dos 38 trabalhos do Quarteto, bem como dos discos solos gravados por cada uma delas.)

Inahiá me faz viajar no tempo, quando, dentre outras situações, relembra as quatro voando para Los Angeles, Cyva casada com o Aloísio de Oliveira. Haja coragem! Fala das separações, das trocas de integrantes, tantas. Lembra quando Cynara e Cybele, sob vaias, cantaram “Sabiá” no Maracanãzinho, tendo ao lado Tom e Chico. Recorda quando Cynara gravou “Pronta Pra Consumo”, seu LP solo. Revê as dezenas de discos lançados, muitos com formações diferentes do Quarteto original e do atual.

Lembra também dos recomeços, tantos. Dos muitos shows, inclusive de um que muito me emocionou, “Resistindo”, direção de Benjamim Santos, encenado no Teatro Fonte da Saudade, no Rio de Janeiro. Lembra ainda de outro momento importante, dentre tantos outros, em que o Teatro Carlos Gomes foi todo reformado apenas para o show “Cobra de Vidro”.

Partindo de depoimentos, principalmente de Cyva e Cynara, mas também de inúmeras outras pessoas, Inahiá desvenda uma história de alegrias e tristezas, sucessos e ostracismo. Mas o jeito como os depoimentos de terceiros foram inseridos é o único senão do livro: colocados em meio ao desenrolar da trama, eles findam por quase quebrar a sequência dramática da narrativa, atenuando-a. E olha que o que não falta na vida do Quarteto em Cy são situações que beiram o drama. Aí reside sua beleza.

Inahiá descreve também a dificuldade que é manter unido um conjunto de pessoas, com os egos suplantando a união e propiciando a discórdia, e ensina: abrir mão de opiniões em favor de continuar trabalhando junto é um dos obstáculos que todo grupo enfrenta enquanto busca a longevidade.

Finda a leitura, eu me pergunto: depois das lembranças, o que resta? Restam os dias de quietude saudosa e da desconsolação? Ora bolas, tudo isso restará. Mas principalmente restará o canto, pois, para quem sempre viveu dele, ele será eterno.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4