quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Musidisc, de Nilo Sergio



Notável voz dos anos 40, Nilo Sergio, nascido Nilo Santos Pinto, iniciou sua carreira nos áureos tempos da Rádio Nacional. Seus primeiros discos, pelo selo Victor, traziam fox-trotes, beguines, standards do cancioneiro norte-americano. Após passagens pela Continental e Todamérica, cria em 1953 sua própria etiqueta, a Musidisc, sediada à Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro. Em 1961, Nilo lança novo selo, Nilser, oriundo de duas sílabas de seu nome artístico, ao qual procurou conferir maior status. Explorando o potencial das ondas musicais de sua época, a gravadora de Nilo Sergio se notabilizou por muitas compilações temáticas no estilo de “Música para Adormecer”, 1955, “Datas Felizes”, 1953, e lançamentos de orquestras vendidas como “grandiosas”, como Românticos de Cuba, seu maior êxito comercial. Formada por músicos brasileiros – excelentes, diga-se – a suposta orquestra cubana embalou hits franceses, norte-americanos, italianos assim como sambas e bossas brasileiras, em sua maioria vertidos para  ritmo “abolerado”. Mesmo Roberto Carlos, em 1979, teve seus êxitos interpretados pela Românticos de Cuba – a última produção de Nilo Sergio, morto em 1981. Na mesma linha, surgiram as orquestras Violinos Mágicos e Trio Surdina. Com capas bem trabalhadas, ricas em cores, paisagens e mulheres exuberantes, a Musidisc, embora pequena, tornou-se notável à época em que atuou. Nomes como Ed Lincoln, Léo Peracchi, Eliana Pittman, Orlann Divo e Silvio Caldas passaram por ela.



 


Surpreendentemente, consta da internet um site de sua companhia em www.musidisc.com.br, com links ainda em construção e anúncios de grandes sucessos da Musidisc. O domínio, segundo o site registro.br, aparece sob responsabilidade de Hara Internacional Musica e Filmes Ltda, companhia do setor audiovisual, ao que parece. Entrei em contato através do e-mail musidisc@musidisc.com.br e recebi, com espanto, pronta resposta de Nilo Sergio, o filho. Este me contou que possui grande acervo composto por fotos, matérias de jornais e revistas, gravações originais de Nilo desde sua estreia como cantor num programa de calouros na Rádio Cruzeiro do Sul. Nilo Sergio, o filho, gerencia o catálogo Musidisc desde a morte de seu pai, o que explica a reedição de eventuais títulos da companhia em CD na série Dose Dupla, da Warner, em fins da década de 90, assim como as compilações da Românticos de Cuba distribuídas recentemente pela Band Music. Nilo, o filho, tem um projeto alinhavado com o jornalista e pesquisador Ruy Castro sobre um livro que visa retratar a trajetória e o legado de seu pai; homenagem justa a um artista visionário e empreendedor no cenário fonográfico brasileiro.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Globalização Farroupilha








Um século depois de findada a guerra dos farrapos, o sul é novamente palco de um acontecimento de proporções intercontinentais. Surgido em Porto Alegre na década de 40, o Conjunto Vocal Farroupilha iniciou suas atividades na Rádio Farroupilha, do Rio Grande do Sul. Dedicando-se inicialmente a toadas, rancheiras e demais ritmos regionais sulinos, o quinteto formado por Danilo Vidal, Sidney do Espírito Santo, Estrêla D’alva, Iná e Tasso Bangel, seu fundador, estreou em disco em 1953: “Gaúcho” trazia em sua maioria composições de Luiz Carlos Barbosa Lessa como “Balaio”, “Me dá um Mate” e “Rancheira de Carreirinha”. Fora lançado surpreendentemente em LP, formato ainda pouco popular à época do predominante 78 rotações. O selo fonográfico Rádio, por sinal, era o único que àquela época, de forma pioneira, se dedicava exclusivamente à produção de discos de 10 polegadas em 33 RPM, o que se dava em fábrica e estúdios próprios em Petrópolis - RJ.


Após o disco de estreia pelo selo Rádio, o Farroupilha lançava outros dois LPs seguindo a mesma linha regional: “De Norte a Sul” (Odeon) e “Gaúchos em Hi-Fi” (Columbia). “Gaúchos na Cidade” (Columbia), de 1958, seria o turning point do conjunto. Muito antes de se falar em globalização, os Farroupilhas agora cantavam também em Italiano, Francês, Inglês e Alemão: “Basta um Pouco de Música” (Marino Marini / Diego Calcagno), “Chanson D’amour” (Wayne Shanklin), “Mister Lee” (Dixon / Sathers / E. Pought / J. Pought / Webb), “Liechtensteiner Polka” (Kotscher / Lindt). Mantinham sua tradição em canções como "Entrevero no Jacá" (Barbosa Lessa / Danilo Vidal) e gravavam ainda “Por Causa de Você (Jobim / Dolores Duran), iniciando flerte com o universo Bossa Nova. Durante aqueles anos dourados, associados ao Ministério das Relações Exteriores, viajavam com o patrocínio da Varig, empresa fundada em Porto Alegre em 1927,  e representavam o Brasil em eventos internacionais, sempre entoando uma canção típica do país visitado, levando seu repertório a crescer e se diversificar, tornando o grupo um dos mais versáteis de que se tem notícia.

O conjunto lança em 1960 “Os Farroupilhas em Hi-Fi”, louvando suas origens no lado A com canções típicas como “Meu Rio Grande”  (Altivo Penteado Garoto) e saudando a pluralidade da música popular brasileira no lado B em clássicos como “Nunca”, samba-canção de Lupicínio Rodrigues, “Sábado em Copacabana” (Dorival Caymmi / Carlos Guinle) e “A Felicidade” (Jobim / Vinícius de Moraes), reafirmando a identificação com a estética que despontava àquela época.


A diversidade do conjunto segue em “Os Farroupilhas na TV” (Columbia), 1960, que marca a atração televisiva que tiveram na TV Record. Encerrando sua fase na Columbia, lançam “Aí Vem a Marinha”, 1961, junto da Banda da Marinha Brasileira que, em arranjos de Lyrio Panicali, exaltava a instituição à luz dos ideais desbravadores e progressistas de Juscelino Kubitscheck.

JK clicado por Jean Manzon nas asas da Varig: paz de criança dormindo.
Em associação com a gravadora Fermata, o conjunto cria sua própria etiqueta, a Farroupilha Discos, partindo para uma empreitada tanto mais autossuficiente. O selo é responsável por lançamentos de nomes como Jongo Trio, Os Tatuís, Pedrinho Mattar, Os Poligonais além de discos do próprio Conjunto Farroupilha, como o clássico “Os Farroupilhas”, 1963, LP hoje disputado em lojas especializadas. Sua capa traz os integrantes em uniformes de comissários de bordo, não por acaso com as cores da conterrânea Varig – Viação Aérea Rio-Grandense, como pouco se sabe. Cabe citar que o povo gaúcho é um dos mais fiéis as suas origens como a sua cultura, como atesta matéria de Igor Paulin para a revista Veja, de abril de 2009, intitulada “Marketing da Bombacha”:

O orgulho que os gaúchos têm de sua terra e de suas tradições vai muito além do aspecto folclórico, como logo descobrem as empresas estrangeiras e de outros estados que tentam conquistar o mercado do Rio Grande do Sul: eles de fato dão preferência a produtos autóctones. Essa espécie de protecionismo comercial por razões culturais é uma peculiaridade gaúcha.



Em seu LP de 1963, o conjunto se debruçava sobre o balanço neo-bossa-novista , como se percebe em “Por Causa de Você, Menina” (Jorge Ben), “Bolinha de Sabão (Orlandivo / Adilson Azevedo) e “João Sebastião Bach” (Dick Farney / Nestor Campos). “O que Cantamos na TV”, LP de 1964,  propunha um passeio turístico pelo mundo: “Meu Querido Portugal” (Danilo Castro / Sidney Morais), “Balanço Zona Sul” (Tito Madi), “Souvenir de Paris” ( J. Borel / J. Moreau / M. Rossi), entre outras.

Pelo selo Farroupilha também gravou o então humorista Jô Soares.
Ainda na década de 60, finda-se o selo Farroupilha. Após um hiato fonográfico de quatro anos, o quinteto grava para a Continental, em 1968, “Temas Gaúchos”, reafirmando sua volta às origens em clássicos de seu repertório sulista, alguns outrora registrados pelo próprio conjunto. Adormecem os Farroupilhas por quinze anos. A convite de Rolando Boldrin o grupo torna a se reunir e, após longos meses de ensaio, apresenta-se no programa “Som Brasil”, da TV Globo. Em 1983, reavivado, grava o LP “Farroupilha 35”, produzido por Boldrin para o selo Som Brasil, vinculado ao programa e ligado à RGE, dedicado totalmente à música regional.
Com sua harmonia vocal característica e íntegra, apesar do tempo passado, o Conjunto Farroupilha faz sua derradeira gravação, integrando a trilha da minissérie “O Tempo e o Vento”, da TV Globo, ambientada no sul do Brasil: “Meu Boi Barroso”, canção tradicional adaptada por Tasso Bangel, o líder do conjunto. Este, formado em regência, é compositor de obras clássicas de caráter nacionalista e especialmente sulista como a ópera “Romance Gaúcho”. Hoje, com 79 anos, mantém-se ativo como produtor musical. Recentemente fez aparições no programa “Sr. Brasil” da TV Cultura.

A discografia do Conjunto Farroupilha está fora de catálogo, mas muitos de seus títulos podem ser encontrados para download no precioso blog Loronix. Note-se que para quaisquer estilos ou vertentes musicais a colocação das vozes dos integrantes do Farroupilha  sob a batuta de Bangel  sempre se manteve peculiar, com a impostação característica dos cantores de rádio, o autêntico acento sulista que jamais se desejou esconder, e ainda o humor, características responsáveis por cunhar a marca de um grupo que se tornou referência em harmonia vocal, ecletismo, ousadia e autenticidade.