segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Então é Natal


A tradicional festa, a tradicional fé, as tradicionais luzes, as tradicionais canções em igualmente tradicionais interpretações. Apesar de o Brasil movimentar boa parte das cifras da fonografia mundial e ser um país predominantemente cristão, os discos temáticos de Natal nunca representaram uma de nossas tradições.




Há exatos 60 anos nossas festas seguem embaladas pela harpa do paraguaio Luís Bordon em “A Harpa e a Cristandade”. O álbum lançado originalmente pela Chantecler no ano de 1960, rendeu um segundo volume em 1965. Ambos tiveram diversas reedições pelas Gravações Elétricas e Warner Music. Mais recentemente, em 1995, Simone lança pela então Polygram “25 de Dezembro”, disco que, ao que parece, caminha para a mesma longevidade daqueles de Bordon. Taxada como oportunista pela crítica, a cantora baiana justificou o álbum como a celebração de uma data duplamente especial para si: o nascimento de Jesus e o seu próprio. “Happy Xmas”, de John Lennon e Yoko Ono, em versão de Claudio Rabello, tornou-se na interpretação de Simone não apenas um hino, mas um eco natalino, como o dos tais sinos de Belém, dada a pregnância de seu insistente refrão que exalta as cidades japonesas devastadas à época da segunda guerra: “Hi-ró-shi-ma” (sic) – registrando o acento característico da cantora – e Nagasaki.



O cavaquinho em marcação de samba de Valmar Amorim e Waldir Silva assim como o saxofone romântico do jovem Caio Mesquita igualmente vêm ecoando por esta época e prometem se perpetuar ainda pelos próximos Natais. Outras produções natalinas, díspares, surgiram nesta última década no Brasil: Ivan Lins, Sérgio Reis, Roupa Nova e Xuxa são alguns nomes que se dedicaram ao segmento. Nos Estados Unidos, porém, nota-se a massiva presença de tais álbuns associados aos mais diversos estilos. Já gravaram discos natalinos: Nat King Cole, The Jackson Five, Tony Bennet, Elvis Presley, Air Supply, Beach Boys, Frank Sinatra, Beatles, Billy Idol, Cristina Aguilera, Mariah Carey, Diana Krall, Jessica Simpson e Whitney Houston.










No Brasil, a escassez de álbuns natalinos conduz à repetição das poucas produções consagradas que temos. Entretanto, como prova o mercado norte-americano, trata-se de um segmento de potencial, curiosamente ainda latente no Brasil apesar de um ambiente favorável, se levarmos em conta nossa religiosidade e musicalidade.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Entrevista - por Vitor Gagliardo


Igor Garcia é formado em Comunicação Social com habilitação para Publicidade e Propaganda. É pós-graduado em Teorias e Práticas de Comunicação. Seu interesse pela música, iniciado desde criança, tornou-o um especialista no tema. Os frutos de suas pesquisas já podem ser conhecidos pelo grande público. Além de possuir um blog especializado no tema (http://oladobom.blogspot.com/), Igor está lançando o livro ‘Lado B, O - A Produção Fonográfica Independente Brasileira’ (Ed. Annablume). Em uma entrevista exclusiva ao Blog Desburocratizando, ele falou sobre sua carreira, projetos e desmembrou esse cenário desconhecido pelo grande público. “Um simples computador, mesmo os adquiridos em lojas populares de varejo, está apto a fazer as vezes de estúdio, fábrica de suporte – agora virtual –, distribuidora e veículo de comunicação. Pode-se dizer, portanto, que nunca os independentes tiveram tanta independência”, afirma.


Íntegra no blog Desburocratizando.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Vibrando em 33 RPM

A partir de 1948 a música que se produzia no mundo começou a deixar os discos de resina shellac graças a luz de Peter Goldmark. Os frágeis discos de 78 rotações por minuto, feitos em 10 polegadas, armazenavam meras duas canções, uma em cada face. Diminuindo a velocidade de rotação para 33 e 1/3 RPM, Goldmark cria um suporte de longa duração. Tanto mais flexível, feito em vinil, o LP foi responsável por registrar ao menos quatro décadas de produção musical mundial até ser posto em xeque pelo Compact Disc, suporte digital desenvolvido em fins da década de 70 com a força conjunta das companhias Sony e Philips.
Introduzido no final da década de 80 no Brasil, o CD apenas passou o LP em número de vendas no ano de 1994. Amparado pela promessa de um som cristalino, o suporte espelhado se torna símbolo de modernidade, ao passo que o LP passa a ser visto como sinônimo de obsolescência. Theodor Adorno justificava a atração pela técnica em função do vazio ofertado pela Indústria Cultural. Assim, discotecas inteiras de rádios e emissoras de TV foram expurgadas para sebos ou mesmo para o lixo na década de 90. Esqueceu-se, no entanto, que muito da música ali contida era extremamente valiosa. Não eram apenas pranchas circulares empoeiradas, eram continentes de cultura – constatam hoje, nostálgicos, aqueles que se desfizeram de suas coleções de LPs.


Máquina de corte de acetato. Foto: blog "Viva o Vinil".
Ressalte-se o mérito dos pesquisadores, influentes junto às gravadoras, que trazem títulos originalmente lançados em vinil para o suporte digital: Rodrigo Faour, Marcelo Fróes, Charles Gavin são alguns deles. Por mais que estes tenham afinco em trazer de volta muitos dos álbuns expressivos da música brasileira, é inviável colocar de volta nas prateleiras tudo o que se produziu em quatro décadas de fonografia. Percebe-se necessário, para os que pretendem compreender a música com maior profundidade, recorrer aos bons e velhos LPs, ainda que virtualmente através dos blogs que disponibilizam a íntegra do som de tais álbuns, exceto pela extração dos ruídos de superfície através de softwares específicos.
Na era do mp3, em que percebemos a música desapegada de suportes físicos definitivos, nota-se o interesse especial pelos discos de vinil. Novamente cabe a reflexão à luz da Teoria Crítica de Adorno sobre a atração pela técnica. Ainda que sendo um produto reprodutível, o LP tem seu fabrico marcado por etapas artesanais, como a galvanoplastia e o corte de acetato. Desta forma, comparado a um arquivo mp3, o disco de vinil hoje parece conservar algo de uma aura, algo de misterioso; parece possuir um certo caráter de unicidade, e talvez a isso se deva a atração por ele. Audiófilos, especialistas em técnica sônica, afirmam com veemência que os registros graves de um LP são insuperáveis se comparados aos de um CD. O fato é que nos microssulcos de um disco de vinil há o registro real da vibração do som, e não uma sequência de códigos binários enfileirados a serem lidos por um processador digital. Cite-se ainda a capa em 30 x 30 cm, bem mais atrativa do que as 12 x 12 cm dos CDs.


Neste ínterim, ressurge das cinzas a fábrica Polysom, em Belford Roxo, no Rio de Janeiro. Em atividades irregulares desde a década de 90, revezava sua linha de produção entre discos e copinhos descartáveis até ser adquirida pelos sócios da gravadora DeckDisc em meados de 2008, que a modernizou e a tem mantido operante fabricando álbuns novos e antigos de companhias como Universal, Som Livre, Warner e Sony. A produção de LPs também se mantém viva em países como Estados Unidos, Japão e Inglaterra, de onde se originam os místicos discos tidos como os de melhor prensagem de todo o mundo.

Apesar dos eventuais "plic-plocs", comuns em discos antigos e malconservados, o LP parece soar tanto mais natural que os suportes digitais, sobretudo se novo. Igualmente naturais são os erros, as imperfeições comuns da vida, inerentes ao ser humano.
O romantismo, como se percebe, também ajuda a acentuar o status do LP nesta virada de década.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Uma Presa na Teia

“Um filhote de leão, raio da manhã”

A pueril canção de Caetano Veloso, “O Leãozinho”, despertou no menino uma relação de projeção-identificação; muito pela figura imaginária do leão, representante de seu signo zodiacal, provido de juba, e especialmente pela imediata empatia criada entre o jovem e o mais leonino dos rebentos de Dona Canô e quiçá da Bahia. Mais de trinta anos após o início da Tropicália surgiu, com algum atraso, um grande atuante do movimento: eu. Em devaneios, sentia-me integrante da turma de Caetano, Gil, Gal, Mutantes e Tom Zé, imerso nas caixas de som conectadas ao recém-comprado toca-discos – aparato em desuso àquela década de 90 – que girava os primeiros LPs de minha coleção.

O continente original de "O Leãozinho": "Bicho", 1977, Philips.

“Eu, você, João girando na vitrola sem parar” (in “Saudosismo”)

Dez entre dez tropicalistas recomendavam João Gilberto. Foi o que descobri ao ler “Tropicália – A História de uma Revolução Musical”, o livro de Carlos Calado responsável pela minha traição ao movimento. Fui atrás de João Gilberto e deixei um pouco de lado a turma multicolorida para mergulhar no monocromatismo da Bossa Nova, bem representado pelas capas de César Gomes Vilella para a gravadora Elenco. Da junção da luz de todas as cores, surge o branco; dos pigmentos, o preto. É o que prega o design gráfico, e que se pode aplicar perfeitamente ao conceito de Bossa Nova. Uma sonoridade que é simples somente na aparência. Com uma percepção mais atenta, percebem-se os milhares de tons que a compõem.


“Outras notas vão entrar, mas a base é uma só” (in “Samba de Uma Nota Só”)

João puxa Tom, que puxa Vinícius, que puxa Caymmi, Carlos Lyra, Chico Buarque, Paulo César Pinheiro, Noel Rosa, Dolores Duran e meio mundo. Meio mundo que se encantou pela música brasileira, que puxou Stan Getz, Charlie Byrd, Dizzie Gilespie, Ella Fitzgerald, Frank Sinatra, Sting e muitas reticências. Mesmo a popstar Madonna é fã de Astrud Gilberto; Norah Jones tem como grande influência Maria Creuza.

Reticências puxam et ceteras e novas gerações. Com afinco e curiosidade comecei a perceber a arte musical como uma teia. Vasculhar esta teia virou obsessão. Percebi-me, assim, um explorador e um devoto da boa música.

domingo, 5 de dezembro de 2010

"O Lado B" Oficialmente Lançado

Oficialmente lançado em 04/12/2010 na Livraria Martins Fontes, "O Lado B - A Produção Fonográfica Independente Brasileira" está disponível no site da editora Annablume, em primeira mão, e em diversas redes de livrarias físicas e virtuais do país - links abaixo.

Lado B, O – A produção fonográfica independente brasileira
Igor Garcia de Castro
Formato 14x21 cm, 130 páginas
ISBN 978-85-391-0176-4

(Links atualizados)

Editora Annablume

Num momento em que o cenário fonográfico mundial se mostra incerto devido à perda da eficácia das velhas fórmulas de comercialização de música, as produções independentes se mostram expressivas e ganham cada vez mais espaço na mídia e no mercado. Apresenta-se neste livro a multiplicidade de acepções criadas para o termo “independente” traçando um panorama histórico da produção fonográfica no Brasil. O autor analisa a evolução do suporte desde seus primórdios até a contemporaneidade e procura compreender o desenvolvimento e as mudanças advindas das transformações tecnológicas e sua relação com a música, sobretudo no momento em que ela passa a ser oferecida como produto da chamada indústria cultural.

"O Lado B" conta ainda com depoimentos exclusivos de músicos, produtores e críticos culturais: Fernando Anitelli, do Teatro Mágico; Cynara Faria, do Quarteto em Cy; Ruy Quaresma, do selo Fina Flor; Carlos Mills, do selo Mills Records; Marco Aurélio Canônico e Carlos Calado, da Folha de S. Paulo.


Meu agradecimento especial aos amigos que prestigiaram este lançamento!

Sessão de autógrafos.
Inahiá, mentora de "As Meninas do Cy", livro para o qual colaboro, Cyva e Cynara.
A cantora e fonoaudióloga Andréa Chakur, filha da ilustre Cylene.
Com Neuma, Antonia e Fernanda.
Com Antonia, Elwyn - grande mestre - e Neuma.
Com Patrícia, Humberto, Reny, Manuella, Gabriela, João e Arthur
Adriana, Cíntia e Cláudio.
Lyah e Cris.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Musidisc, de Nilo Sergio



Notável voz dos anos 40, Nilo Sergio, nascido Nilo Santos Pinto, iniciou sua carreira nos áureos tempos da Rádio Nacional. Seus primeiros discos, pelo selo Victor, traziam fox-trotes, beguines, standards do cancioneiro norte-americano. Após passagens pela Continental e Todamérica, cria em 1953 sua própria etiqueta, a Musidisc, sediada à Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro. Em 1961, Nilo lança novo selo, Nilser, oriundo de duas sílabas de seu nome artístico, ao qual procurou conferir maior status. Explorando o potencial das ondas musicais de sua época, a gravadora de Nilo Sergio se notabilizou por muitas compilações temáticas no estilo de “Música para Adormecer”, 1955, “Datas Felizes”, 1953, e lançamentos de orquestras vendidas como “grandiosas”, como Românticos de Cuba, seu maior êxito comercial. Formada por músicos brasileiros – excelentes, diga-se – a suposta orquestra cubana embalou hits franceses, norte-americanos, italianos assim como sambas e bossas brasileiras, em sua maioria vertidos para  ritmo “abolerado”. Mesmo Roberto Carlos, em 1979, teve seus êxitos interpretados pela Românticos de Cuba – a última produção de Nilo Sergio, morto em 1981. Na mesma linha, surgiram as orquestras Violinos Mágicos e Trio Surdina. Com capas bem trabalhadas, ricas em cores, paisagens e mulheres exuberantes, a Musidisc, embora pequena, tornou-se notável à época em que atuou. Nomes como Ed Lincoln, Léo Peracchi, Eliana Pittman, Orlann Divo e Silvio Caldas passaram por ela.



 


Surpreendentemente, consta da internet um site de sua companhia em www.musidisc.com.br, com links ainda em construção e anúncios de grandes sucessos da Musidisc. O domínio, segundo o site registro.br, aparece sob responsabilidade de Hara Internacional Musica e Filmes Ltda, companhia do setor audiovisual, ao que parece. Entrei em contato através do e-mail musidisc@musidisc.com.br e recebi, com espanto, pronta resposta de Nilo Sergio, o filho. Este me contou que possui grande acervo composto por fotos, matérias de jornais e revistas, gravações originais de Nilo desde sua estreia como cantor num programa de calouros na Rádio Cruzeiro do Sul. Nilo Sergio, o filho, gerencia o catálogo Musidisc desde a morte de seu pai, o que explica a reedição de eventuais títulos da companhia em CD na série Dose Dupla, da Warner, em fins da década de 90, assim como as compilações da Românticos de Cuba distribuídas recentemente pela Band Music. Nilo, o filho, tem um projeto alinhavado com o jornalista e pesquisador Ruy Castro sobre um livro que visa retratar a trajetória e o legado de seu pai; homenagem justa a um artista visionário e empreendedor no cenário fonográfico brasileiro.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Globalização Farroupilha








Um século depois de findada a guerra dos farrapos, o sul é novamente palco de um acontecimento de proporções intercontinentais. Surgido em Porto Alegre na década de 40, o Conjunto Vocal Farroupilha iniciou suas atividades na Rádio Farroupilha, do Rio Grande do Sul. Dedicando-se inicialmente a toadas, rancheiras e demais ritmos regionais sulinos, o quinteto formado por Danilo Vidal, Sidney do Espírito Santo, Estrêla D’alva, Iná e Tasso Bangel, seu fundador, estreou em disco em 1953: “Gaúcho” trazia em sua maioria composições de Luiz Carlos Barbosa Lessa como “Balaio”, “Me dá um Mate” e “Rancheira de Carreirinha”. Fora lançado surpreendentemente em LP, formato ainda pouco popular à época do predominante 78 rotações. O selo fonográfico Rádio, por sinal, era o único que àquela época, de forma pioneira, se dedicava exclusivamente à produção de discos de 10 polegadas em 33 RPM, o que se dava em fábrica e estúdios próprios em Petrópolis - RJ.


Após o disco de estreia pelo selo Rádio, o Farroupilha lançava outros dois LPs seguindo a mesma linha regional: “De Norte a Sul” (Odeon) e “Gaúchos em Hi-Fi” (Columbia). “Gaúchos na Cidade” (Columbia), de 1958, seria o turning point do conjunto. Muito antes de se falar em globalização, os Farroupilhas agora cantavam também em Italiano, Francês, Inglês e Alemão: “Basta um Pouco de Música” (Marino Marini / Diego Calcagno), “Chanson D’amour” (Wayne Shanklin), “Mister Lee” (Dixon / Sathers / E. Pought / J. Pought / Webb), “Liechtensteiner Polka” (Kotscher / Lindt). Mantinham sua tradição em canções como "Entrevero no Jacá" (Barbosa Lessa / Danilo Vidal) e gravavam ainda “Por Causa de Você (Jobim / Dolores Duran), iniciando flerte com o universo Bossa Nova. Durante aqueles anos dourados, associados ao Ministério das Relações Exteriores, viajavam com o patrocínio da Varig, empresa fundada em Porto Alegre em 1927,  e representavam o Brasil em eventos internacionais, sempre entoando uma canção típica do país visitado, levando seu repertório a crescer e se diversificar, tornando o grupo um dos mais versáteis de que se tem notícia.

O conjunto lança em 1960 “Os Farroupilhas em Hi-Fi”, louvando suas origens no lado A com canções típicas como “Meu Rio Grande”  (Altivo Penteado Garoto) e saudando a pluralidade da música popular brasileira no lado B em clássicos como “Nunca”, samba-canção de Lupicínio Rodrigues, “Sábado em Copacabana” (Dorival Caymmi / Carlos Guinle) e “A Felicidade” (Jobim / Vinícius de Moraes), reafirmando a identificação com a estética que despontava àquela época.


A diversidade do conjunto segue em “Os Farroupilhas na TV” (Columbia), 1960, que marca a atração televisiva que tiveram na TV Record. Encerrando sua fase na Columbia, lançam “Aí Vem a Marinha”, 1961, junto da Banda da Marinha Brasileira que, em arranjos de Lyrio Panicali, exaltava a instituição à luz dos ideais desbravadores e progressistas de Juscelino Kubitscheck.

JK clicado por Jean Manzon nas asas da Varig: paz de criança dormindo.
Em associação com a gravadora Fermata, o conjunto cria sua própria etiqueta, a Farroupilha Discos, partindo para uma empreitada tanto mais autossuficiente. O selo é responsável por lançamentos de nomes como Jongo Trio, Os Tatuís, Pedrinho Mattar, Os Poligonais além de discos do próprio Conjunto Farroupilha, como o clássico “Os Farroupilhas”, 1963, LP hoje disputado em lojas especializadas. Sua capa traz os integrantes em uniformes de comissários de bordo, não por acaso com as cores da conterrânea Varig – Viação Aérea Rio-Grandense, como pouco se sabe. Cabe citar que o povo gaúcho é um dos mais fiéis as suas origens como a sua cultura, como atesta matéria de Igor Paulin para a revista Veja, de abril de 2009, intitulada “Marketing da Bombacha”:

O orgulho que os gaúchos têm de sua terra e de suas tradições vai muito além do aspecto folclórico, como logo descobrem as empresas estrangeiras e de outros estados que tentam conquistar o mercado do Rio Grande do Sul: eles de fato dão preferência a produtos autóctones. Essa espécie de protecionismo comercial por razões culturais é uma peculiaridade gaúcha.



Em seu LP de 1963, o conjunto se debruçava sobre o balanço neo-bossa-novista , como se percebe em “Por Causa de Você, Menina” (Jorge Ben), “Bolinha de Sabão (Orlandivo / Adilson Azevedo) e “João Sebastião Bach” (Dick Farney / Nestor Campos). “O que Cantamos na TV”, LP de 1964,  propunha um passeio turístico pelo mundo: “Meu Querido Portugal” (Danilo Castro / Sidney Morais), “Balanço Zona Sul” (Tito Madi), “Souvenir de Paris” ( J. Borel / J. Moreau / M. Rossi), entre outras.

Pelo selo Farroupilha também gravou o então humorista Jô Soares.
Ainda na década de 60, finda-se o selo Farroupilha. Após um hiato fonográfico de quatro anos, o quinteto grava para a Continental, em 1968, “Temas Gaúchos”, reafirmando sua volta às origens em clássicos de seu repertório sulista, alguns outrora registrados pelo próprio conjunto. Adormecem os Farroupilhas por quinze anos. A convite de Rolando Boldrin o grupo torna a se reunir e, após longos meses de ensaio, apresenta-se no programa “Som Brasil”, da TV Globo. Em 1983, reavivado, grava o LP “Farroupilha 35”, produzido por Boldrin para o selo Som Brasil, vinculado ao programa e ligado à RGE, dedicado totalmente à música regional.
Com sua harmonia vocal característica e íntegra, apesar do tempo passado, o Conjunto Farroupilha faz sua derradeira gravação, integrando a trilha da minissérie “O Tempo e o Vento”, da TV Globo, ambientada no sul do Brasil: “Meu Boi Barroso”, canção tradicional adaptada por Tasso Bangel, o líder do conjunto. Este, formado em regência, é compositor de obras clássicas de caráter nacionalista e especialmente sulista como a ópera “Romance Gaúcho”. Hoje, com 79 anos, mantém-se ativo como produtor musical. Recentemente fez aparições no programa “Sr. Brasil” da TV Cultura.

A discografia do Conjunto Farroupilha está fora de catálogo, mas muitos de seus títulos podem ser encontrados para download no precioso blog Loronix. Note-se que para quaisquer estilos ou vertentes musicais a colocação das vozes dos integrantes do Farroupilha  sob a batuta de Bangel  sempre se manteve peculiar, com a impostação característica dos cantores de rádio, o autêntico acento sulista que jamais se desejou esconder, e ainda o humor, características responsáveis por cunhar a marca de um grupo que se tornou referência em harmonia vocal, ecletismo, ousadia e autenticidade.