quinta-feira, 8 de setembro de 2016

"O Lado B" citado em pesquisa da UFRB

OS HITS DO BIT E A DANÇA NAS FRONTEIRAS ENTRE O UNDERGROUND, A MÚSICA DE NICHO E O MAINSTREAM

Tatiana Rodrigues Lima

O artigo discute a cultura da música popular urbana contemporânea com atenção para os trânsitos e a comunicação envolvendo o underground, os nichos e o mainstream. Parte de casos ocorridos no atual contexto de digitalização da cadeia musical, a fim de verificar as regularidades e dispersões entre os fluxos de produções musicais nas fronteiras entre as três esferas. Conclui que produções nos moldes do mainstream incorporam atualmente modos de circulação e configurações estéticas antes acionados apenas no âmbito do underground e que produções esteticamente próximas do mainstream encontram possibilidades de lançamento à margem da indústria fonográfica convencional. Sustenta que no cenário contemporâneo as fronteiras musicais são momentaneamente delimitáveis, em caráter provisório, e permeáveis a várias gradações de iniciativas que ocupam posições intermediárias e tensivas.

Íntegra aqui.

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Crônica: Por que nos envergonhamos da essência de nossa brasilidade?


Somos internacionalmente conhecidos como um povo festeiro, animado, aberto e receptivo. Mas por que o senso comum do brasileiro de classe média ainda se envergonha de tudo aquilo que evoca excessiva brasilidade? O pinguim em cima da geladeira, os panos de prato bordados com dias da semana, o tapetinho embaixo do telefone, as combinações inusitadas de cores primárias, a música dos artistas populares – cruelmente estigmatizados como bregas, ainda que com legiões de fãs e seguidores.

Complexo de vira-lata foi o termo cunhado por Nelson Rodrigues para denotar a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo – em vários setores: do esporte às artes; da política ao estilo de vida.

Foi preciso uma campanha publicitária forte, onerosa e bem engendrada para tornar as brasileiríssimas sandálias Havaianas um produto digno de orgulho nacional. O então “chinelo de pobre” há mais de uma década frequenta pés macios e nada calejados, inclusive pisando solos estrangeiros.

Foi preciso um nobre e revolucionário Caetano Veloso regravar “Sonhos”, em 1982, e “Sozinho”, em 1998, do dito compositor brega Peninha, para que as castas médias e altas pudessem admitir gostar de canções que já haviam sido hits populares – respectivamente em 1977 e 1996. Outro choque de estilos como esse havia sido promovido pelo mesmo Caetano no Festival “Phono 73”, evento da gravadora Phonogram. Ao subir no palco do Centro de Convenções do Anhembi, em São Paulo, junto de Odair José, Caetano provocou a fúria e a vaia dos puristas da MPB ao entoar “Eu Vou Tirar Você Desse Lugar”. Odair José e Caetano Veloso, por sinal, pertenciam a uma mesma gravadora, mas eram de selos diferentes. O primeiro era da Polydor, divisão popular da companhia; o segundo, da Philips, a etiqueta nobre daquele grupo fonográfico  hoje Universal Music.

Para desespero daqueles que se envergonham da brasilidade em sua forma mais bruta, um fato a ser digerido: dificilmente a cúpula da Phonogram permitiria que Caetano fizesse tantos discos experimentais – e pouco vendáveis – na década de 70 se não houvesse em seu caixa o giro trazido por seus artistas populares. Além de Odair José: Evaldo Braga, José Ribeiro, Marcus Pitter, Sidney Magal e outros mais.

Caetano Veloso proporia ainda novo embate estilístico regravando a dramática “Você Não Me Ensinou a Te Esquecer” – de Fernando Mendes, José Wilson e Lucas – para a trilha sonora do filme “Lisbela e o Prisioneiro”, de 2003. A versão de Caetano renderia louros de público e crítica, além de uma inesperada indicação ao Grammy Latino na categoria “Melhor Canção Brasileira”, vinte e cinco anos após o lançamento da canção pelo próprio Fernando Mendes.

Um artista tido como elitizado e consagrado precisa de uma boa dose de pioneirismo e vanguardismo para colocar a mão na essência de nossa brasilidade, da qual muitas vezes nos envergonhamos e queremos esconder embaixo da cama – tal qual fazíamos com nossas Havaianas até antes de elas se tornarem quase tão nobres quanto o sapatinho de cristal da Cinderela.

No barco do pioneirismo de Caetano Veloso embarcariam tantos outros artistas. Adriana Calcanhotto regravaria “Fico Assim Sem Você” de Claudinho e Buchecha (sic) com grande êxito entre os mais distintos públicos. Paula Toller e também João Donato fariam suas versões para “Só Love”, do mesmo duo carioca. Filipe Catto regravaria “Garçom”, de Reginaldo Rossi, com grande enlevo e erudição. Maria Gadú faria “Baba Baby”, hit de Kelly Key, virar um clássico blue. A banda indie Vanguart recém-regravou “Beijinho no Ombro”, de Valesca Popozuda, também apostando em verter para o universo cult um hit popular.

Faça esta experiência, se tiver coragem: promova uma festa, convide alguns amigos metidos e contrate um DJ para tocar o fino das pistas europeias e norte-americanas por algumas horas. Lá pelas tantas da madrugada, quando todos estiverem sorumbáticos e fechados em seus nichos, peça ao tal DJ para tocar “Sandra Rosa Madalena”, com Sidney Magal, ou mesmo “Fogo e Paixão” de Wando. Você verá a brasilidade desabrochar das almas mais resistentes e contagiar o senso comum de seus nobres convidados. Sua festa renascerá tal qual uma fênix das cinzas. Garanto! Futucando bem, acham-se pinguins e bordados de crochê ao redor dos corações de todos os brasileiros.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

O formato ou a arte?

Há algumas semanas entrei numa discussão tão afetiva quanto datada. Augusto Deleuze, proprietário do bar All of Jazz, tentava me convencer sobre a superioridade do CD ante ao LP. Eu, muito embora respeitando as convicções audiófilas de Deleuze, procurava elencar as qualidades do suporte vinílico ante ao espelhado de policarbonato. Daí surgiu um acalorado e divertido diálogo:

[...]
Deleuze: A agulha atrita com o disco, causando desgaste.
Eu: Por isso devemos usar forças de trilhagem baixas. Qual a força que você usa em seu toca-discos?
Deleuze: Sei lá, mas atrito é uma questão de física, oras!
Eu: Som digital não é de fato som, mas uma sequência binária que emula som. Os graves são os maiores prejudicados. O som do vinil é orgânico.
Deleuze: Eu não tenho grana para comprar um toca-discos de trinta mil reais para ter toda essa experiência.
Eu: Hi-end é outra história. Estamos falando de hi-fi, não?
Deleuze: Eu não quero ter preocupação, quero praticidade...
[...]

Dias depois me dei conta do quão datado foi o diálogo que Deleuze e eu tivemos. Aceitável seria se estivéssemos ainda na década de 90, mas incabível em pleno 2016 quando os suportes fonográficos físicos praticamente inexistem. Enquanto gastávamos saliva e argumentos confrontando o vinil contra o policarbonato, os mais antenados e integrados estavam ouvindo um oceano de música através de plataformas virtuais, tais como Deezer, Spotify, Google Music, Apple Music, Mix Radio, Napster, Rdio, Tidal, TuneIn, Xbox Music e mesmo YouTube. Algumas dessas plataformas, por sinal, oferecem música digital com altas taxas de bits, garantindo alta qualidade, além de variedade. Mesmo álbuns raros, indisponíveis em formatos físicos, já podem ser encontrados em tais sistemas – de forma paga ou mesmo gratuitamente.


Prints de tela do aplicativo Google Play: álbuns raros de João Gilberto, Tom Jobim, Leny Andrade e tantos outros.

Fato é que apesar dos tantos meios virtuais para se ouvir música, muitos ouvintes vêm se interessando novamente pelo vinil, inclusive jovens já nascidos no contexto digital – nas décadas de 90 e 2000. E por qual razão? Talvez pela carência de tangibilidade, de algo que ancore esses ouvintes às canções. O excesso de praticidade pode nos ter levado a criar uma relação mais descompromissada com a música.

Ao menos num quesito o LP é inconteste: graves e orgânicos à parte, a experiência tátil e visual do vinil é absurdamente mais intensa do que aquela oferecida por um CD ou qualquer outro suporte virtual.

A relação entre obra e suporte, por sinal, foi tema recorrente de obras filosóficas e sociológicas da Escola de Frankfurt. Theodor Adorno, um de seus representantes, muito versou sobre o assunto a partir da década de 30, momento em que várias artes se tornaram multiplicáveis através de tecnologias de replicação. Destaque-se ainda que os critérios para escolha do meio ideal para se ouvir música são idiossincráticos e talvez mais emocionais do que racionais.

Se Deleuze e eu discordamos no formato, compactuamos nos estilos musicais:

[...]
Deleuze: Conhece este aqui, da Elizete?
Eu: Sim, é o “Canção do Amor Demais”! “As praias desertas continuam...”, cantarolo.
Deleuze: Você conhece!?
Eu: Claro, João Gilberto está neste disco ao violão! O primeiro registro de sua batida “bossa-nova”...
Deleuze: E este aqui, da Leny Andrade, conhece?
Eu: Sim, tenho muitas coisas da Leny...
[...]

Seja em vinil, em policarbonato, em streaming ou mp3: independentemente do suporte que se escolha, o que vale é saber apreciar a boa arte.

terça-feira, 21 de junho de 2016

Evento, de Aloysio de Oliveira

Rótulo do LP "Maysa", Evento / Odeon.
Como visto no livro “O Lado B”, o produtor Aloysio de Oliveira foi um dos pioneiros na produção independente brasileira. Após anos de dedicação às gravadoras Odeon e CBD / Phonogram, Oliveira resolveu fundar seu próprio selo fonográfico, apostando em artistas nos quais realmente acreditava. A Elenco foi fundada em 1963 e foi responsável pelo lançamento de cerca de sessenta álbuns memoráveis de nomes ligados à Bossa Nova, tais como Roberto Menescal, Nara Leão, Edu Lobo, Sylvia Telles, Quarteto em Cy e tantos outros de igual quilate.

Aloysio de Oliveira lançava mão dos estúdios e da fabricação da RCA para viabilizar suas produções para a Elenco e a duras penas sustentou o selo até o ano de 1967, amargando grandes prejuízos. Todo o acervo que construiu seria vendido à Phonogram – atual Universal Music. Oliveira partiria para os Estados Unidos para produzir discos de artistas brasileiros para a Warner Music, companhia ainda sem representação no Brasil àquela época.

É pouco sabido, no entanto, que Aloysio de Oliveira se aventuraria em nova empreitada fonográfica alguns anos depois. Mais precisamente em 1974, no Brasil, ele criava um selo vinculado à Odeon e o batizava de Evento – qualquer semelhança com Elenco não é mera coincidência. Mesmos ideais, mesmo capista – o revolucionário César Vilella – e o mesmo compromisso com a qualidade.

A aventura agora se dava em bases muito mais seguras. Aloysio já havia trabalhado para a Odeon anos antes e agora ele poderia contar com o respaldo de uma grande companhia do disco para dar vida às suas produções. E assim o fez. O primeiro lançamento do selo Evento foi o disco “Paulistana – Retrato de Uma Cidade”, com sinfonia idealizada pelo compositor paraense Billy Blanco em homenagem à cidade de São Paulo. O LP, muito embora obscuro, originou a vinheta do noticiário matinal da Rádio Jovem Pan, que ecoa até hoje no dial paulistano: “A cidade não desperta, apenas acerta a sua posição [...]”. O disco contou com os vocais de Claudia, Claudete Soares, Miltinho, Elza Soares e Pery Ribeiro em arranjos do maestro Chiquinho de Moraes, o único paulista do time, diga-se – da cidade de Tietê.

Outro lançamento histórico do selo Evento foi o LP “Maysa”, o último da carreira da cantora de morte prematura. Tão desconhecido quanto precioso, o disco segue ainda hoje injustiçado, mesmo com o recente interesse pela obra de Maysa por obra da minissérie “Maysa – Quando Fala o Coração”, de 2009, exibida pela Rede Globo.
Capa do LP "Maysa", de 1974. A pintura foi feita pela própria cantora.

A Evento reeditaria ainda alguns discos produzidos por Aloysio na Odeon anos antes de arquitetar a Elenco, tais como “Ary Caymmi – Dorival Barroso” e “Amor de Gente Moça”, de Sylvia Telles. Seu catálogo se resumiu a meros seis lançamentos, todos datados de 1974, a saber:

SE 11001        PAULISTANA - RETRATO DE UMA CIDADE
SE 11002        CARMEN MIRANDA E BANDO DA LUA AO VIVO
SE 11003        ARY CAYMMI - DORIVAL BARROSO
SE 11004        MAYSA
SE 11005        UM ENCONTRO - Lee Ritenour e Oscar Castro Neves
SE 11006        AMOR DE GENTE MOÇA

Fonte: Memória Musical

Aloysio de Oliveira continuaria a produzir discos para a Odeon nos anos seguintes. Transitaria pela RCA e mesmo pela Som Livre. Em 1983, publicaria um livro de memórias.

Com uma carreira marcada pela versatilidade, Aloysio de Oliveira morreu em 4 de fevereiro de 1995, vítima de câncer de pulmão, em Los Angeles, onde residia nos últimos anos de vida. Além de produtor musical, Oliveira trabalhou na Disney realizando dublagens e prestando consultoria. Foi também vocalista do Bando da Lua, conjunto que acompanhava Carmem Miranda entre as décadas de 30 e 40.

terça-feira, 31 de maio de 2016

Post 2 de 2: GEL / Continental – gravadora nacional, mas com força de major

"Jane Duboc", 1987, GEL / Continental. Estouro nacional.
Um case interessante que nos permite mensurar o potencial e o poder de influência da GEL / Continental na fonografia brasileira foi o lançamento massivo de Jane Duboc em 1987. A cantora, pouco conhecida até então, já possuía no currículo três LPs – distribuídos por pequenos selos no início da década de 80. Jane viu sua carreira ser alavancada de forma bombástica quando adentrou a GEL / Continental.

Wilson Souto Junior, criador do espaço cultural alternativo Lira Paulistana, passou a ser diretor artístico da GEL no início da década de 80. Conhecido pela alcunha de “Gordo”, Wilson agora trabalhava muito mais com o mass media do que com a arte alternativa, e estava disposto a investir fortemente em Jane Duboc. Deixou-a totalmente à vontade para escolher o repertório daquele seu novo álbum, que destacou compositores mineiros, mas com uma única condição: das doze faixas do álbum, ao menos duas necessitariam ter apelo radiofônico. Jane, então, recorreu ao seu amigo Cido Bianchi, que havia integrado o Jongo Trio na década de 60, e naquele momento se dedicava à publicidade. A pedido de Jane, Cido transformou um jingle que havia feito para a rede de lanchonetes Bob’s na canção “Chama da Paixão”, composta em parceria com Thomas Roth. Com imenso punch pop, a canção foi hit entre os anos de 87 e 88, assim como “Sonhos”, de Lincoln Olivetti, Robson Jorge e Mauro Motta. Com um trabalho de marketing incisivo, ambas as canções, produzidas pelos magos do pop Lincoln Olivetti e Arnaldo Saccomani, tocaram exaustivamente nas rádios e emissoras de TV de todo o Brasil. Destaque-se que os hits foram estrategicamente posicionados como faixas iniciais de cada um dos lados do disco – posições nobres de um LP.

A GEL / Continental produziu também uma tiragem de LPs promocionais de Jane Duboc em que se podia ouvir, além de seus hits, uma suposta entrevista a ser montada pelos programadores de rádio. Jane gravou respostas de perguntas genéricas, que seriam entoadas pelos radialistas. As entrevistas resultantes dessa criativa e engenhosa estratégia provavelmente foram anunciadas com exclusividade por muitas emissoras de rádio do país, o que ajudou a ventilar o nome de Jane Duboc. Tantas outras gravadoras usariam dessa mesma estratégia de divulgação, de autoria desconhecida. 

A canção “Sonhos” integrou a trilha sonora da novela “Fera Radical”, exibida pela Rede Globo em sua faixa das 18h no ano de 1988. A cantora também figurou em “Vale Tudo”, folhetim das 20h da mesma emissora, com “Besame” (Flávio Venturini / Murilo Antunes), gravada exclusivamente para a trilha da atração – exibida entre 1988 e 1989. Cabe destacar que as novelas da Rede Globo sempre foram cobiçadas pelas gravadoras por serem meios eficientes de divulgação de seus fonogramas.

Nessa época, Jane Duboc passou a figurar constantemente no programa Globo de Ouro entoando os dois hits de seu primeiro álbum pela Continental. A atração, exibida pela Rede Globo, se notabilizou por apresentar os sucessos do momento em formato de ranking. Jane foi figura frequente do programa “Cassino do Chacrinha”, também da Globo, um dos mais populares da época. Numa dessas apresentações, pode-se notar vários espectadores da plateia segurando um mesmo tipo de cartaz com foto da cantora, o que nos leva a crer que tenha sido mais uma estratégia da gravadora a fim de reforçar a figura de Jane. Programas populares, de outras emissoras, também foram escalados para divulgar a cantora, com destaque para o “Viva a Noite”, do SBT, no qual se apresentou inúmeras vezes. Por aquela época, Jane teve ainda um especial na TV Bandeirantes.

Na boca do povo: Jane Duboc interpreta "Sonhos" no "Cassino do Chacrinha".

É sabido que o “jabá” há muito dita os sucessos radiofônicos. Há quem diga que certos “incentivos financeiros” também estejam presentes nos bastidores das emissoras de TV. Não se pode afirmar que Jane Duboc, tenha sido beneficiada por alguma estratégia desse gênero, mas também não se pode descartar totalmente essa possibilidade, dada a força e a influência que a GEL possuía no cenário fonográfico e midiático da época.

Jane Duboc gravaria mais um disco pela GEL / Continental, no ano de 1989. Lançado de forma mais discreta, o álbum “Feliz” se valeu muito da repercussão de seu antecessor. Jane também entoaria a trilha de abertura da novela “Cortina de Vidro”, do SBT – 1989 / 1990. Em 1991, Jane migra para a major BMG, companhia para a qual gravou um único e pouco exitoso disco: “Além do Prazer”. Apesar do porte da nova companhia, divulgação e marketing foram ínfimos. Mesmo com faixas de forte apelo pop, nenhuma delas foi executada com algum destaque nas rádios e nos programas populares de TV. Trilhas de novelas, tanto menos.

Em 1992, a cantora lançava o álbum “Movie Melodies” pela pequena e novata gravadora Movieplay – que de forma tão pioneira quanto arriscada começou suas atividades com foco exclusivo em CDs, num mercado ainda dominado pelos LPs. Tanto o show quanto o disco “Movie Melodies” repercutiram positivamente no cenário artístico da época, mas num nicho mais elitizado.

Sem a continuidade do trabalho massivo de marketing e divulgação iniciado pela GEL / Continental, Jane perdeu muito da popularidade da qual gozou no fim dos anos 80, atraindo a partir de então um público mais seleto, através de estilos musicais tanto menos comerciais do que o pop romântico avassalador que a consagrou nacionalmente. A GEL / Continental também mudou seus rumos, passando a investir muito mais em outras ondas musicais, com destaque para o estilo sertanejo, inclusive após sua fusão ao grupo Warner em 1993 – como visto no post anterior.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Post 1 de 2: GEL / Continental – gravadora nacional, mas com força de major


Como visto no livro "O Lado B", a Casa Edison foi a companhia pioneira na produção de discos no Brasil - em fins do século XIX. Localizada no centro do Rio de Janeiro, a empresa fora idealizada e conduzida pelo tcheco Federico Figner, tendo sido sucedida pela Odeon em 1929. Naquele mesmo ano, em São Paulo, o industrial Alberto Jackson Byington Junior dava início a mais uma empreitada da Byington & Co. A companhia, já firmada no Brasil como representante de máquinas de escrever e geladeiras, passaria a investir também em música gravada.

Por sugestão do produtor norte-americano de cinema Wallace Downey, Alberto Byington assumiu a representação da Columbia Records no Brasil. Assim foi durante 14 anos, até que a Columbia norte-americana resolveu se instalar por aqui de forma autônoma. O conglomerado Byington possuía notável know-how acerca do mercado fonográfico, assim como estrutura e maquinário, por isso tinha totais condições de prosseguir com suas atividades fonográficas, mesmo desvencilhada da marca Columbia.

Disco de 78 RPM de 1941. Selo Columbia, fabricação de Byington & Co. 
Disco de 78 RPM de 1945. Selo Continental, fabricação de Byington & Co.
Com João de Barro (Braguinha) como diretor artístico, o braço fonográfico da Byington & Co. passa a se chamar Continental Discos a partir de 1943, e por muitos anos competiu em pé de igualdade com as internacionais RCA, Odeon e Columbia Broadcasting System (CBS), com cast e lançamentos expressivos. A companhia de Byington teria ainda tantos outros selos, tais como Chantecler, Caboclo, Musicolor e Phonodisc – sob a razão social Gravações Elétricas LTDA. – ou GEL.

O pesquisador Ruy Castro narra em seu livro "Chega de Saudade" [Companhia das Letras, 1990] o curioso e eficiente sistema de distribuição da Continental em meados das décadas de 50 e 60, que levava seus discos aos lugares mais inóspitos do Brasil, se valendo até de transporte animal - o conhecido "lombo de burro".

A GEL se notabilizou a partir da década de 60 por expressivos lançamentos de álbuns de música sertaneja em grande escala, com destaque para nomes como Cascatinha & Inhana, Duo Glacial, Irmãs Galvão, Tonico & Tinoco, Milionário & José Rico e tantos outros. Como visto no livro “O Lado B”, a Columbia, representada pela Byington, havia sido a primeira companhia a explorar esse filão, através do pesquisador e empreendedor Cornélio Pires. A também nacional Copacabana investiu fortemente nesse segmento, pouco valorizado pelas majors, assim como a Chantecler, adquirida pela GEL em 1972 – tornando mais forte seu conglomerado. Somente na virada dos anos 80 para os 90 as gravadoras internacionais se renderiam em peso ao estilo sertanejo, tendo como marco a saída de Chitãozinho & Xororó da Copacabana rumo à Philips, um dos selos mais nobres da Polygram – atual Universal Music.

GEL / Continental: do surgimento ao fim, profusão de identidades visuais.

Entre as décadas de 60 e 80, a fábrica da GEL não somente dava conta de suas próprias demandas, como também fabricava discos de várias outras companhias, tais como CBS e Warner Music (WEA). A Warner, por sinal, se estabeleceu no Brasil na segunda metade da década de 70 dedicando-se muito mais aos setores de A&R (artistas e repertório), promoção e vendas do que à fabricação – antecipando uma tendência que viria dominar a indústria anos depois. A GEL possuía ainda uma gráfica própria para produzir as capas e encartes de seus discos. No fim da década de 80, a companhia terceirizou suas prensagens com a americana Wheaton – no Brasil estabelecida em São Bernardo do Campo.

O conglomerado GEL foi incorporado ao grupo Warner em 1993, sem aparentar crise, já que a gravadora vinha emplacando diversos êxitos até então, sobretudo no segmento sertanejo, que tomou conta do Brasil nesse período. Destaque para Roberta Miranda e Leandro & Leonardo, que gravaram diversos discos pela GEL e Warner.

Após a fusão e com a crescente demanda do mercado por CDs, a produção de vinil – e também de cassetes, no mesmo parque fabril – da GEL foi desativada. Os últimos LPs e cassetes lançados por selos GEL / Warner, na década de 90, foram fabricados por diversas outras companhias, ao passo que toda a produção de CDs no Brasil saía basicamente de três fábricas: Microservice, Videolar e VAT. Sony Music e BMG teriam fábricas próprias de compact discs na segunda metade dos anos 90.

A GEL / Continental provavelmente foi a gravadora nacional mais longeva da história de nossa fonografia, e talvez aquela que melhor tenha retratado toda a diversidade musical brasileira entre as décadas de 40 e 90.

>> Post 2 de 2 em breve.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Toca-discos: você sabe diferenciar um aparelho bom de um ruim?


Apesar do notável crescimento do mercado de LPs, poucas são as opções de toca-discos de boa qualidade disponíveis no Brasil. Diversos modelos de aparelhos conjugados com design atraente podem ser encontrados em grandes magazines e lojas de eletrônicos. Impressionam pela versatilidade de formatos que teoricamente conseguem reproduzir, desde discos de 78 RPM até CDs e arquivos mp3. Entretanto, todos esses aparelhos têm algo em comum: os preços absurdamente altos e a baixíssima qualidade de seus componentes, sobretudo aqueles que integram a unidade reprodutora de discos analógicos.

Através das explanações básicas, expostas a seguir, o ouvinte que se inicia nesse universo poderá conhecer os componentes essenciais de um toca-discos e ter maior discernimento ao escolher seu aparelho.

Prato: os bons são bem pesados, de modo a estabilizar a rotação, geralmente feitos em alumínio ou acrílico denso. Os ruins são feitos de plástico fino e estão sujeitos às instabilidades e oscilações do motor.

Motor: os toca-discos de má qualidade costumam ser equipados com motores muito frágeis e instáveis. Podem rotacionar o prato em velocidade superior à adequada, ou, por vezes, inferior. Não há "pitch" para ajuste fino de rotação e muito menos mecanismos de manutenção de velocidade - tal como quartzo, servo ou estrobo. A audição, portanto, muitas vezes resulta distorcida. Motores frágeis também não costumam resistir por muito tempo em rotação, tendo curta vida útil. Muitos modelos de toca-discos - tanto bons quanto ruins - são movidos por correia, eficaz método de tração. Aparelhos mais antigos funcionam com polias, enquanto que os profissionais, usados por DJs, possuem motor de tração direta.

Agulha: as melhores possuem ponta de diamante, um dos materiais mais resistentes da natureza. Agulhas que equipam toca-discos ruins geralmente são de safira, material também nobre, mas pouco duradouro. Convém destacar que a velocidade de 78 RPM exige agulha diferente daquela usada para 33 e 45 RPM. Quanto aos formatos, há agulhas de ponta cônica, elíptica ou birradial, mas, de modo geral, as cônicas atendem bem às necessidades da maior parte dos ouvintes.

Braço: são vários os formatos possíveis - retos, curvos, em formato de "s". Cada um tem suas peculiaridades. Mas para todos os casos, o braço deve estar perfeitamente calibrado, formando angulações ideais com os sulcos dos discos - o que pode ser verificado através de gabaritos. Os toca-discos de má qualidade simplesmente não possuem qualquer engenharia fina e lógica em seus braços, resultando em leitura falha e deficiente dos sulcos.

Antiskating: mecanismo que compensa a força centrípeta do braço em relação ao eixo do disco. É fundamental para equilibrar a agulha corretamente dentro do sulco sonoro, permitindo uma leitura correta, sem pulos. Em toca-discos ruins esse sistema é inexistente. Em aparelhos intermediários, a compensação antiskating já é aplicada de fábrica. Os melhores toca-discos são dotados de um botão próximo ao braço que permite esse ajuste de forma precisa.

Cápsula: peça que é acoplada ao shell - ponta do braço do toca-discos - onde é afixada a agulha. É responsável por converter as vibrações dos sulcos dos discos em impulsos elétricos. Para baratear o processo de produção dos toca-discos, fabricantes que não prezam pela qualidade dão preferência às cápsulas piezelétricas de cerâmica, no lugar das magnéticas - de qualidade superior. As cápsulas de cerâmica possuem tensão de saída alta, dispensando pré-amplificação, o que configura economia. A resposta de frequência dessas cápsulas, no entanto, é muito restrita, além de exigir uma força de trilhagem - peso final da agulha - muito alta, o que representa um desgaste maior dos sulcos dos discos.

Amplificação: como visto no item anterior, os toca-discos dotados de cápsula de cerâmica costumam dispensar pré-amplificação, por isso são mais baratos. Possuem tensão de saída alta, mas de baixa qualidade. Aparelhos com cápsula magnética têm saída baixa, mas muito mais precisa. Exigem amplificador / receiver com entrada "phono" ou um pré-amplificador para  mediar a conexão com uma entrada "aux".

Caixas de som: aparelhos conjugados de baixa qualidade dificilmente possuem caixas de som compostas por alto-falantes de três diâmetros: para graves, médios e agudos. Suas caixas costumam ser dotadas de uma única via, reproduzindo um som pobre em dinâmica. Para quem busca áudio analógico de qualidade, o ideal é montar um sistema de som com toca-discos, receiver e caixas independentes com três vias.

Os itens aqui citados são aqueles que se relacionam de forma mais direta com a reprodução de um disco analógico, mas convém destacar que os aparelhos de baixa qualidade costumam ter capacitores, potenciômetros, placas, fontes, cabos e soldas igualmente ruins. Geralmente, são subprodutos de fábricas chinesas, que ganham valor agregado através do belo design de suas carcaças. O dito popular "as aparências enganam" cabe bem para essa situação.

Dos bons toca-discos disponíveis hoje no mercado, destacam-se os das marcas Stanton, Denon, Marantz e Audio-Technica. Seus preços costumam fazer jus à qualidade que possuem, mas, para quem busca uma boa relação custo-benefício, é possível encontrar bons toca-discos seminovos das décadas de 70 e 80 em lojas e sites especializados. Gradiente, Polyvox, Sony e Philips são algumas marcas que produziram aparelhos acessíveis e de ótima qualidade nesse período. Modelos mais elaborados e caros foram lançados na mesma época por Technics, Dual, Thorens, Marantz, Yamaha, JVC e outras companhias.

Através dessas breves explanações, os iniciantes no universo do som analógico certamente estarão mais preparados para escolher seus equipamentos e desfrutar melhor dessa experiência.