quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O SMD e a pirataria no contexto da atual fonografia

Adentrando o gabinete do então ministro da cultura Gilberto Gil, bradou: “O pirata está morto!”. Com a convicção de ter solucionado um problema para a indústria do disco, Ralf Richardson da Silva, da dupla Chrystian & Ralf, apresentava em fins de 2003 o protótipo de sua criação, o SMD: Semi Metalic Disc.


O SMD não se trata, no entanto, de novo suporte, mas sim da otimização de um já existente. Considerando que as produções musicais atuais raramente lançam mão de toda a capacidade do Compact Disc, Ralf sugeriu a metalização somente da parte útil da superfície acrílica do disco, de modo a reduzir custos. O conceito de economia se estende também à capa, feita em papelão e sem encarte. As informações técnicas aparecem grafadas no próprio rótulo do disco, que tem seu preço tabelado em R$ 5,00. “Dei o preço do pirata”, afirmou o cantor à época do lançamento do formato, em março de 2005. Em 2007, Ralf firmava contrato de exclusividade com a Microservice para fabricação do SMD e sua versão audiovisual, o SMDV, por 20 anos. A companhia do setor de vídeo games Nintendo sinalizou interesse em lançar seus produtos no suporte de Ralf, cuja patente foi registrada em mais de uma dezena de países.

O SMD e suas variadas possibilidades de metalização. Imagem: Portal SMD.

Convicto de que os históricos números da indústria fonográfica poderiam ser retomados, Ralf estabeleceu patamares altos para premiação sobre vendagens: meio milhão de cópias, disco Master; dois milhões, Master Top; cinco milhões, Master Star. Desde janeiro de 2004, após reforma, o padrão de premiação da ABPD consiste em: disco de ouro, 50 mil cópias; platina, 125 mil; platina duplo, 250 mil; platina triplo, 375 mil; diamante, 500 mil.

Atualmente, a Universal Music têm oferecido algumas de suas produções consagradas em embalagens econômicas – MusicPac – a preços que variam entre R$ 6,00 e R$ 9,00. Consoa a EMI. Outras companhias comercializam seus produtos, excetuando-se lançamentos, a preços igualmente competitivos. Ressalte-se que um CD pirata, que já chegou a custar R$ 5,00 nas ruas centrais de São Paulo, hoje é vendido por R$ 2,00. Mesmo o mercado fonográfico se esforçando em reduzir o preço final do disco físico, como tem feito, dificilmente conseguiria fazer frente à pirataria que, por ser ilícita, sempre leva vantagem pelo fato de estar isenta de tributação.

Enquanto se discute sobre como manter viável a venda de discos físicos, entretanto, a internet e as vias de difusão dela oriundas parecem estar não só formando, como consolidando um novo hábito de se ouvir música, o que é tanto mais difícil de conter ou mudar já que dia após dia, ou download após download, tal prática se vê mais arraigada em nossa cultura. A crise na fonografia, como visto no livro “O Lado B” – a que se recorre por adiante – tem bases comportamentais.


Em entrevista para o Portal SMD, Ralf foi questionado acerca dos suportes virtuais e proferiu palavras tanto mais românticas – de quem estruturou uma carreira no auge da fonografia – que factuais:



Ao meu ver o suporte físico é insubstituível, a musica pode passar pela Internet, mas ela não acontece (concepção da música), primeiro pela Internet, ela vem de um suporte físico (o disco). [...] A evolução tem que te dar o direito de ouvir melhor do que você ouvia no passado, não é mesmo? E a pirataria na Internet já existe e é fato. E os direitos autorais como serão cobrados pelos artistas na Internet? O pirata ainda está aí ganhando, e exterminando todas as grandes gravadoras no mundo com este suporte físico, então, este suporte físico tem que existir só que legalmente e com um preço justo.


Apesar da iniciativa extremamente louvável e empreendedora, nos seus cinco anos de existência o suporte de Ralf não despertou formal interesse por parte das companhias do disco. O SMD tem sido procurado fundamentalmente para ações promocionais e por artistas independentes que, muitas vezes estabelecidos na internet, buscam trazer ao plano físico sua produção. O formato tem obtido bastante êxito, mas para fins diferentes daqueles para os quais se pensava.


Os discos físicos ainda são objetos de interesse de apreciadores de música, e para um novo artista que construiu suas influências através deles, é natural que este queira ter sua produção em formato tangível. O CD ainda movimenta consideráveis cifras, mesmo que de maneira descendente. Mas uma vez que a música se desprende do suporte material para a intangibilidade de diretórios de players de MP3 – que se popularizam até nos celulares e nos aparelhos de som automotivos – acentua-se no disco o status de memorabilia [p. 97].

Algumas empresas criaram lojas virtuais para comercializar arquivos de música digital, numa tentativa de regularizar seu compartilhamento sem ferir os direitos autorais e de propriedade. Tal iniciativa, contudo, não obteve grande êxito no Brasil, haja vista que os mesmos fonogramas ainda podem ser encontrados gratuitamente por uma infinidade de “cibervias” alternativas [p.29].

Pirataria à parte, a realidade é que a música vem se desprendendo de suportes físicos ao mesmo tempo em que é deixada de ser entendida como produto pelos brasileiros. Visionário e com grande conhecimento de causa, o produtor João Marcello Bôscoli, criador do conceito de download patrocinado, acredita que em breve “ninguém mais vai pagar por músicas”. Até mesmo a indústria que move a pirataria física é ameaçada, dada esta tendência que já há algum tempo temos constatado.

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