"Jane Duboc", 1987, GEL / Continental. Estouro nacional. |
Um case interessante que nos
permite mensurar o potencial e o poder de influência da GEL / Continental na
fonografia brasileira foi o lançamento massivo de Jane Duboc em 1987. A cantora,
pouco conhecida até então, já possuía no currículo três LPs – distribuídos por
pequenos selos no início da década de 80. Jane viu sua carreira ser alavancada
de forma bombástica quando adentrou a GEL / Continental.
Wilson Souto Junior, criador do espaço
cultural alternativo Lira Paulistana, passou a ser diretor artístico da GEL no
início da década de 80. Conhecido pela alcunha de “Gordo”, Wilson agora
trabalhava muito mais com o mass media
do que com a arte alternativa, e estava disposto a investir fortemente em Jane
Duboc. Deixou-a totalmente à vontade para escolher o repertório daquele seu novo
álbum, que destacou compositores mineiros, mas com uma única condição: das doze
faixas do álbum, ao menos duas necessitariam ter apelo radiofônico. Jane, então,
recorreu ao seu amigo Cido Bianchi, que havia integrado o Jongo Trio na década
de 60, e naquele momento se dedicava à publicidade. A pedido de Jane, Cido
transformou um jingle que havia feito para a rede de lanchonetes Bob’s na canção
“Chama da Paixão”, composta em parceria com Thomas Roth. Com imenso punch pop, a canção foi hit entre os
anos de 87 e 88, assim como “Sonhos”, de Lincoln Olivetti, Robson Jorge e Mauro
Motta. Com um trabalho de marketing incisivo, ambas as canções, produzidas
pelos magos do pop Lincoln Olivetti e Arnaldo Saccomani, tocaram exaustivamente
nas rádios e emissoras de TV de todo o Brasil.
Destaque-se que os hits foram estrategicamente posicionados como faixas
iniciais de cada um dos lados do disco – posições nobres de um LP.
A GEL / Continental produziu também
uma tiragem de LPs promocionais de Jane Duboc em que se podia ouvir, além de
seus hits, uma suposta entrevista a ser montada pelos programadores de rádio.
Jane gravou respostas de perguntas genéricas, que seriam entoadas pelos
radialistas. As entrevistas resultantes dessa criativa e engenhosa estratégia
provavelmente foram anunciadas com exclusividade por muitas emissoras de rádio
do país, o que ajudou a ventilar o nome de Jane Duboc. Tantas outras gravadoras
usariam dessa mesma estratégia de divulgação, de autoria desconhecida.
A canção “Sonhos” integrou a
trilha sonora da novela “Fera Radical”, exibida pela Rede Globo em sua faixa
das 18h no ano de 1988. A cantora também figurou em “Vale Tudo”, folhetim das
20h da mesma emissora, com “Besame” (Flávio Venturini / Murilo Antunes),
gravada exclusivamente para a trilha da atração – exibida entre 1988 e 1989.
Cabe destacar que as novelas da Rede Globo sempre foram cobiçadas pelas gravadoras
por serem meios eficientes de divulgação de seus fonogramas.
Nessa época, Jane Duboc passou a
figurar constantemente no programa Globo de Ouro entoando os dois hits de seu
primeiro álbum pela Continental. A atração, exibida pela Rede Globo, se
notabilizou por apresentar os sucessos do momento em formato de ranking. Jane
foi figura frequente do programa “Cassino do Chacrinha”, também da Globo, um
dos mais populares da época. Numa dessas apresentações, pode-se notar vários
espectadores da plateia segurando um mesmo tipo de cartaz com foto da cantora,
o que nos leva a crer que tenha sido mais uma estratégia da gravadora a fim de
reforçar a figura de Jane. Programas populares, de outras emissoras, também
foram escalados para divulgar a cantora, com destaque para o “Viva a Noite”, do
SBT, no qual se apresentou inúmeras vezes. Por aquela época, Jane teve ainda um
especial na TV Bandeirantes.
Na boca do povo: Jane Duboc interpreta "Sonhos" no "Cassino do Chacrinha".
É sabido que o “jabá” há muito
dita os sucessos radiofônicos. Há quem diga que certos “incentivos financeiros”
também estejam presentes nos bastidores das emissoras de TV. Não se pode afirmar
que Jane Duboc, tenha sido beneficiada por alguma estratégia desse gênero, mas
também não se pode descartar totalmente essa possibilidade, dada a força e a influência
que a GEL possuía no cenário fonográfico e midiático da época.
Jane Duboc
gravaria mais um disco pela GEL / Continental, no ano de 1989. Lançado de forma
mais discreta, o álbum “Feliz” se valeu muito da repercussão de seu antecessor.
Jane também entoaria a trilha de abertura da novela “Cortina de Vidro”, do SBT
– 1989 / 1990. Em 1991, Jane migra para a major BMG, companhia para a qual
gravou um único e pouco exitoso disco: “Além do Prazer”. Apesar do porte da
nova companhia, divulgação e marketing foram ínfimos. Mesmo com faixas de forte
apelo pop, nenhuma delas foi executada com algum destaque nas rádios e nos
programas populares de TV. Trilhas de novelas, tanto menos.
Em 1992, a cantora lançava o álbum “Movie Melodies” pela pequena e novata gravadora Movieplay – que de forma tão pioneira quanto arriscada começou suas atividades com foco exclusivo em CDs, num mercado ainda dominado pelos LPs. Tanto o show quanto o disco “Movie Melodies” repercutiram positivamente no cenário artístico da época, mas num nicho mais elitizado.
Em 1992, a cantora lançava o álbum “Movie Melodies” pela pequena e novata gravadora Movieplay – que de forma tão pioneira quanto arriscada começou suas atividades com foco exclusivo em CDs, num mercado ainda dominado pelos LPs. Tanto o show quanto o disco “Movie Melodies” repercutiram positivamente no cenário artístico da época, mas num nicho mais elitizado.
Sem a continuidade
do trabalho massivo de marketing e divulgação iniciado pela GEL / Continental,
Jane perdeu muito da popularidade da qual gozou no fim dos anos 80, atraindo a
partir de então um público mais seleto, através de estilos musicais tanto menos
comerciais do que o pop romântico avassalador que a consagrou nacionalmente. A
GEL / Continental também mudou seus rumos, passando a investir muito mais em
outras ondas musicais, com destaque para o estilo sertanejo, inclusive após sua
fusão ao grupo Warner em 1993 – como visto no post anterior.
Nota 1: é pertinente registrar, a título de contextualização, que a música de massa dos anos 1989 e 1990 foi marcada pela explosão da lambada. Entre 1991 e 1992, vimos e ouvimos a consagração do sertanejo. Posteriormente, o pagode passou a dominar a cena, seguindo-se o axé fechando os anos 90 e o funk carioca abrindo os anos 2000. A partir da década de 90, muitas gravadoras passaram a preferir gozar das ondas musicais sazonais do que produzir discos de maneira mais linear e lógica.
ResponderExcluirNota 2: além dos nomes já mencionados, passaram também pela GEL / Continental artistas do porte de: Dick Farney, Os Cariocas, Ângela Maria, Isaura Garcia, Dóris Monteiro, Elis Regina, Carlos Lyra, Ney Matogrosso, Novos Baianos, Luiz Melodia, Tim Maia, Almir Sater e outros tantos.
Nota 3: Alberto Jackson Byington Junior, responsável pelo surgimento da gravadora Continental, também se destacou no esporte, tendo sido o primeiro presidente da Federação Paulista de Basketball.
Nota 4: Alberto Jackson Byington Senior, fundador da Byignton&Co., foi casado com Pérola Ellis, notável filantropa e ativista social brasileira. Pérola fundou em 1959 o hospital da Cruzada, em São Paulo, que, depois de sua morte, recebeu o nome de Hospital Pérola Byington. Suas bisnetas mais famosas são a atriz Bianca Byington e a cantora Olívia Byington, mãe do humorista Gregório (Byington) Duvivier – seu pai é o músico Edgar Duvivier.
Nota 5: como visto aqui no blog "O Lado Bom", os equipamentos de prensagem de discos da GEL / Continental foram reativados recentemente pela companhia Vinil Brasil.
Nota 6: Braguinha, ou João de Barro, fez parte do grupo Bando de Tangarás na década de 20. Como compositor, criou hinos como “Carinhoso”, em parceria com Pixinguinha, e “Copacabana”, com Alberto Ribeiro. Consta que Braguinha chegou até a produzir os rótulos dos discos da Continental. O logo inicial da companhia, com três sininhos, foi idealizado por ele. Braguinha era um verdadeiro “faz-tudo” na gravadora. A memorável série “Disquinho”, com canções infantis, também fora idealizada por ele.
Nota 7: no início dos anos 2000, Jane Duboc teria seu próprio selo fonográfico, JAM Music, que, durante sua curta trajetória, lançou álbuns primorosos, com pretensões muito mais artísticas do que comerciais. Hoje Jane continua fazendo shows e gravando discos de forma descompromissada através de diversas companhias, sendo uma das vozes mais versáteis do Brasil.