quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Globalização Farroupilha








Um século depois de findada a guerra dos farrapos, o sul é novamente palco de um acontecimento de proporções intercontinentais. Surgido em Porto Alegre na década de 40, o Conjunto Vocal Farroupilha iniciou suas atividades na Rádio Farroupilha, do Rio Grande do Sul. Dedicando-se inicialmente a toadas, rancheiras e demais ritmos regionais sulinos, o quinteto formado por Danilo Vidal, Sidney do Espírito Santo, Estrêla D’alva, Iná e Tasso Bangel, seu fundador, estreou em disco em 1953: “Gaúcho” trazia em sua maioria composições de Luiz Carlos Barbosa Lessa como “Balaio”, “Me dá um Mate” e “Rancheira de Carreirinha”. Fora lançado surpreendentemente em LP, formato ainda pouco popular à época do predominante 78 rotações. O selo fonográfico Rádio, por sinal, era o único que àquela época, de forma pioneira, se dedicava exclusivamente à produção de discos de 10 polegadas em 33 RPM, o que se dava em fábrica e estúdios próprios em Petrópolis - RJ.


Após o disco de estreia pelo selo Rádio, o Farroupilha lançava outros dois LPs seguindo a mesma linha regional: “De Norte a Sul” (Odeon) e “Gaúchos em Hi-Fi” (Columbia). “Gaúchos na Cidade” (Columbia), de 1958, seria o turning point do conjunto. Muito antes de se falar em globalização, os Farroupilhas agora cantavam também em Italiano, Francês, Inglês e Alemão: “Basta um Pouco de Música” (Marino Marini / Diego Calcagno), “Chanson D’amour” (Wayne Shanklin), “Mister Lee” (Dixon / Sathers / E. Pought / J. Pought / Webb), “Liechtensteiner Polka” (Kotscher / Lindt). Mantinham sua tradição em canções como "Entrevero no Jacá" (Barbosa Lessa / Danilo Vidal) e gravavam ainda “Por Causa de Você (Jobim / Dolores Duran), iniciando flerte com o universo Bossa Nova. Durante aqueles anos dourados, associados ao Ministério das Relações Exteriores, viajavam com o patrocínio da Varig, empresa fundada em Porto Alegre em 1927,  e representavam o Brasil em eventos internacionais, sempre entoando uma canção típica do país visitado, levando seu repertório a crescer e se diversificar, tornando o grupo um dos mais versáteis de que se tem notícia.

O conjunto lança em 1960 “Os Farroupilhas em Hi-Fi”, louvando suas origens no lado A com canções típicas como “Meu Rio Grande”  (Altivo Penteado Garoto) e saudando a pluralidade da música popular brasileira no lado B em clássicos como “Nunca”, samba-canção de Lupicínio Rodrigues, “Sábado em Copacabana” (Dorival Caymmi / Carlos Guinle) e “A Felicidade” (Jobim / Vinícius de Moraes), reafirmando a identificação com a estética que despontava àquela época.


A diversidade do conjunto segue em “Os Farroupilhas na TV” (Columbia), 1960, que marca a atração televisiva que tiveram na TV Record. Encerrando sua fase na Columbia, lançam “Aí Vem a Marinha”, 1961, junto da Banda da Marinha Brasileira que, em arranjos de Lyrio Panicali, exaltava a instituição à luz dos ideais desbravadores e progressistas de Juscelino Kubitscheck.

JK clicado por Jean Manzon nas asas da Varig: paz de criança dormindo.
Em associação com a gravadora Fermata, o conjunto cria sua própria etiqueta, a Farroupilha Discos, partindo para uma empreitada tanto mais autossuficiente. O selo é responsável por lançamentos de nomes como Jongo Trio, Os Tatuís, Pedrinho Mattar, Os Poligonais além de discos do próprio Conjunto Farroupilha, como o clássico “Os Farroupilhas”, 1963, LP hoje disputado em lojas especializadas. Sua capa traz os integrantes em uniformes de comissários de bordo, não por acaso com as cores da conterrânea Varig – Viação Aérea Rio-Grandense, como pouco se sabe. Cabe citar que o povo gaúcho é um dos mais fiéis as suas origens como a sua cultura, como atesta matéria de Igor Paulin para a revista Veja, de abril de 2009, intitulada “Marketing da Bombacha”:

O orgulho que os gaúchos têm de sua terra e de suas tradições vai muito além do aspecto folclórico, como logo descobrem as empresas estrangeiras e de outros estados que tentam conquistar o mercado do Rio Grande do Sul: eles de fato dão preferência a produtos autóctones. Essa espécie de protecionismo comercial por razões culturais é uma peculiaridade gaúcha.



Em seu LP de 1963, o conjunto se debruçava sobre o balanço neo-bossa-novista , como se percebe em “Por Causa de Você, Menina” (Jorge Ben), “Bolinha de Sabão (Orlandivo / Adilson Azevedo) e “João Sebastião Bach” (Dick Farney / Nestor Campos). “O que Cantamos na TV”, LP de 1964,  propunha um passeio turístico pelo mundo: “Meu Querido Portugal” (Danilo Castro / Sidney Morais), “Balanço Zona Sul” (Tito Madi), “Souvenir de Paris” ( J. Borel / J. Moreau / M. Rossi), entre outras.

Pelo selo Farroupilha também gravou o então humorista Jô Soares.
Ainda na década de 60, finda-se o selo Farroupilha. Após um hiato fonográfico de quatro anos, o quinteto grava para a Continental, em 1968, “Temas Gaúchos”, reafirmando sua volta às origens em clássicos de seu repertório sulista, alguns outrora registrados pelo próprio conjunto. Adormecem os Farroupilhas por quinze anos. A convite de Rolando Boldrin o grupo torna a se reunir e, após longos meses de ensaio, apresenta-se no programa “Som Brasil”, da TV Globo. Em 1983, reavivado, grava o LP “Farroupilha 35”, produzido por Boldrin para o selo Som Brasil, vinculado ao programa e ligado à RGE, dedicado totalmente à música regional.
Com sua harmonia vocal característica e íntegra, apesar do tempo passado, o Conjunto Farroupilha faz sua derradeira gravação, integrando a trilha da minissérie “O Tempo e o Vento”, da TV Globo, ambientada no sul do Brasil: “Meu Boi Barroso”, canção tradicional adaptada por Tasso Bangel, o líder do conjunto. Este, formado em regência, é compositor de obras clássicas de caráter nacionalista e especialmente sulista como a ópera “Romance Gaúcho”. Hoje, com 79 anos, mantém-se ativo como produtor musical. Recentemente fez aparições no programa “Sr. Brasil” da TV Cultura.

A discografia do Conjunto Farroupilha está fora de catálogo, mas muitos de seus títulos podem ser encontrados para download no precioso blog Loronix. Note-se que para quaisquer estilos ou vertentes musicais a colocação das vozes dos integrantes do Farroupilha  sob a batuta de Bangel  sempre se manteve peculiar, com a impostação característica dos cantores de rádio, o autêntico acento sulista que jamais se desejou esconder, e ainda o humor, características responsáveis por cunhar a marca de um grupo que se tornou referência em harmonia vocal, ecletismo, ousadia e autenticidade.

3 comentários:

  1. Com a rotação de meu toca-discos finamente ajustada à 33 e 1/3 sob luz estroboscópica, o disco “Gaúcho” me parece soar ligeiramente mais veloz do que deveria. O então novo formato LP estaria ainda em fase inicial, de testes, o que justificaria esta eventual falha.

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  2. Olá Igor, sou acadêmico de música pela Universidade estadual do RS e estou fazendo meu TCC sobre a obra do conjunto farroupilha. tu mensionou um Blog, Loronix, tentei acessar mas o acesso só se da através de convite, tu tem um email do Administrador para que eu possa explicar a minha situação e pedir um convite?
    Abrigado
    Diego

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    1. Caro Diego,

      Lamentavelmente, o Loronix saiu do ar há tempos. Mas, felizmente, um grupo de admiradores do blog tem ressuscitado várias de suas postagens através da página "Órfãos do Loronix" - http://orfaosdoloronix.wordpress.com/.

      É certo que você encontrará alguns álbuns do Farroupilha por lá.

      Abraço,

      Igor

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